MUCAMBO-CE: 11 DE AGOSTO; 56 DA MORTE DE GERARDO AZEVEDO ARAÚJO.

O ASSASSINATO DO PREFEITO GERARDO AZEVEDO ARAÚJO E O LINCHAMENTO DO ENFERMEIRO FRANCISCO ANTÔNIO DE SOUSA: COMO E PORQUE ISSO ACONTECEU.
Parte II) O assassinato do prefeito Gerardo Azevedo
O ano era 1958, 
numa manhã de segunda feira, 11 de agosto, 
o jovem Gerardo Azevedo Araújo, de apenas 31 anos de idade, 
estava no seu último ano de mandato 
como o primeiro prefeito de Mucambo. 
Era o terceiro dos dezesseis filhos 
do casal José Cláudio de Araújo e Francisca Azevedo Araújo. 
Era o período eleitoral, pois na ocasião haveria naquele ano eleições 
para Governo do Estado, 
como também para deputados, senadores, prefeitos e vereadores. 
Tinha planos de se candidatar a Deputado Estadual 
e eleger seu sucessor e tio, Raphael Cláudio de Araújo. 
Mas seu sonho foi interrompido, 
pois foi assassinado em plena praça pública. 
Pai, filho, tio; 
a família Araújo era “dona do poder” político em Mucambo. 
Aliás, não só do poder político, como também do poder econômico,
através de suas firmas e terras abundantes.

O crime aconteceu por volta das 7:30 para às 8:00 horas,
após uma discussão 
entre o prefeito e o enfermeiro da cidade, 
Francisco Antônio de Sousa, ou Chico Antônio, 
como era mais conhecido. 

Os dois eram adversários políticos: um do PSD e o outro da UDN. 
O local da discussão foi em frente à Farmácia São Rafael, 
localizada na Praça do Comércio, hoje Praça do Mercado Público. 

O motivo da discussão, provavelmente, foi insultos políticos, 
pois no momento, Gerardo Azevedo estava em um automóvel Jeep, 
“convidando” o povo para participar, à noite, de um comício. 
Ocasião na qual o candidato a governador, Parsifal Barroso, 
viria conversar com os eleitores mucambenses.

Infelizmente, a campanha política no Brasil 
é determinada pela ambição dos postulantes aos cargos políticos 
a quererem a todo custo chegar ao poder, 
não importando os meios utilizados. 
Os comícios são arranjados 
para a multidão marcar presença no local determinado, 
mesmo sem vontade própria. 
As ruas da cidade são 
“enfeitadas” com bandeiras, cartazes e faixas de candidatos, 
a fim de receber o candidato com “festa” 
dando a falsa impressão que todo o eleitorado está com ele:

“Na época da política o Parsifal Barroso vinha pra Mucambo; 
tava muito enfeitada a rua.... bonito, 
um dia de 2ª feira, bonito [pausa], no dia 11 de agosto de 1958.” 

(entrevista com Maria de Jesus Gomes de Azevedo)
Aquela manhã de segunda feira entraria para a história de Mucambo 
como sendo um dos dias mais triste que permeiam, 
ainda hoje, 
na memória dos que ainda lembram aquela terrível tragédia, 
como a Senhora Maria de Jesus Gomes de Azevedo.
– Um dia eu saí... 
um dia de segunda feira, quando ele vinha num jeep,
aí ele botou duas boca no jeep e vinha convidar os trabalhador 
que ele tinha botado pra trabalhar no tempo da seca. 
Ele vinha convidar todos pra tarde. 
Onze horas era pra todo mundo largar o serviço 
pra vim fazer a recepção do governo que ia chegar. 
[...] E tinha uma farmácia 
ali onde é hoje o prédio de fazer as reuniões de...
da política, dos vereadores, tinha uma farmácia ali. 

Ali mesmo no meio tinha uns canterim, 
aí quando eu... ele vinha vindo, o Chico Antônio saiu na frente 
e veio para a farmácia. 
Quando ele vinha vindo no jeep, falando nas bocas, aí o jeep parou 
e ele tava programado que ia descer, chamar todos os trabalhadores
pra vibrar com ele, porque o governador ia chegar 
e era um dia de festa, então ele ia fazer tudo o possível 
pra esse governo ganhar, aí ele vinha programando no jeep, 
quando chegou em frente a farmácia ele parou e ficou falando. 
Aí o Chico Antônio veio pra porta da farmácia,
aí disse não sei o que, [inaudível] parece que ele chamou ele 
e ele parou de falar, quando ele parou de falar 
ele mandou ele descer do jeep, 
que ele desceu ele ainda discutiu com ele na frente da farmácia,
ai ficou em pé, ainda disse um bocado de coisa 
e o Gerardo também não sei o que ele falou pra ele. 

O Chico Antônio vinha de lá, meteu assim a mão no bolso 
e detonou um tiro bem de frente com ele, 
aí ele caiu logo dentro do refúgio.
Quando ele caiu dentro do refúgio eu corri [...].
(entrevista com Maria de Jesus Gomes de Azevedo)
Vale lembrar que o fato narrado por essa testemunha, 
que diz ter visto “tudo” o que aconteceu 
mesmo distante mais ou menos uns 50 metros, 
para a historiografia que trabalha a oralidade, 
sua narrativa não pode ser entendida como uma verdade absoluta, 
na medida em que a memória é “seletiva”, 
ou seja, o entrevistado escolhe o que vai falar. 

De acordo com a idéia defendida por E. J. Hobsbawm, 
“nunca faremos uso adequado da história oral, 
até que saibamos o que pode sair errado na memória”. 
Uma outra questão interessante que deve ser analisada 
é que deve-se questionar 
porque a depoente narrou o fato dessa maneira e não de outra ? 
De qual lado político ela era simpatizante? 
Quais sentimentos estão contidos na sua fala: revolta, tristeza, pena?
Para os historiadores da oralidade: Na maior parte das vezes, 
lembrar não é reviver, 
mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, 
as experiências do passado. 
[...] A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, 
agora, à nossa disposição, 
no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual.
[...] (BOSI, 1994 : 55)
Parafraseando Ecléia Bosi, 
“a lembrança é a sobrevivência do passado” 
devendo-se duvidar da sobrevivência do mesmo “tal como foi”. 
O passado não existe mais, 
ou seja, não se pode “resgatar” o passado para o momento presente, 
nem muito menos voltar ao passado. 

Pode-se sim, reconstruí-lo no juízo de agora, e não no juízo de antes.
Também não é de desprezar as lembranças do crime, 
afinal o fato aconteceu realmente e verdadeiramente 
foi Chico Antônio quem atirou e matou o prefeito Gerardo Azevedo, 
no momento em que o mesmo estava em seu jeep
acompanhado de seu cunhado Gumercino, que também saiu ferido. 
Os dois estavam fazendo propaganda política 
e convidando o povo em geral para se fazerem presentes 
no comício que se realizaria à noite e que contaria 
com a presença do candidato a governador Parsifal Barroso 
e do candidato a Deputado Federal Expedito Machado.

Chico Antônio se encontrava na calçada da farmácia São Raphael, 
de propriedade de um Sr. de nome Vicente Petronílio Filho 
quando o prefeito em seu jeep se aproximava da farmácia 
localizada na Praça do Mercado público (Praça do Comércio) 
falando no serviço de radiadora 
montada em seu jeep momentos antes, 
na casa de seu tio Raphael Cláudio, 
que era o candidato a prefeito apoiado por Gerardo.
Segundo consta no inquérito policial, 
Chico Antônio se aproximou do carro 
tentando coibir a propaganda do prefeito Gerardo, 
ameaçando-o com um revólver em punho 
e dirigindo as seguintes palavras: 
“Seu cabra sem vergonha 
porque você quando quer atacar um homem 
não faz de homem para homem e não em radiadora?” 
(Processo Crime, 1959, p. 35)
Constata-se assim que Chico Antônio se sentiu ofendido 
por alguma palavra que Gerardo fez uso quando falava ao microfone, 
e talvez, por essa razão teria se aproximado do jeep 
iniciando uma discussão. 

É certo que ninguém parte para uma agressão sem motivo aparente.
O bate boca entre os dois partiu para a agressão física, 
quando Gerardo e Gumercino se agarraram com Chico Antônio 
tentando desarmá-lo, trocando “bofetadas” 
quando é efetuado disparos de revólver 
atingindo Gumercino no braço e em outras partes do corpo, 
conforme o laudo da perícia:
O paciente apresenta no ante-braço esquerdo um ferimento, 
produzido por arma de fogo (revólver - bala) 
com orifício de entrada e saída, 
partindo da parte posterior para o anterior 
atingindo partes moles do referido ante-braço, 
com regular perda de sangue; 
outro ferimento produzido a bala na região costo lateral esquerda 
com penetração sub-cutânea; 
outro ferimento ocasionado por bala 
no terço posterior da clavícula esquerda 
também produzindo penetração sub-cutânea; 
outro ferimento produzido por bala na dobra do cotovelo 
trazendo também leve penetração. 
Vale ressaltar que em todos quatro tiros 
o orifício de entrada tem a fuligem negra, com chamuscamento. 
É o nosso laudo. 

(Processo Crime, p. 11)
A luta terminou no interior da Farmácia São Rafael 
sendo que após vários disparos terem atingidos Gumercino, 
apenas um atingiu o Gerardo. 
Conforme o laudo da perícia o tiro atingiu a barriga, 
causando ferimento grave e posterior hemorragia:
Procedendo o exame cadavérico em Gerardo Azevedo de Araújo, 
constatamos o seguinte: 

A vítima foi alvejada com tiro produzido por arma de fogo (revólver), 
cujo projétil teve orifício de entrada a altura da região umbilical, 
com 3 (três) centímetros para a esquerda, 
com completa ausência de fuligem negra ou chamuscamento, 
penetrando em toda região intestinal 
e no seu percurso perfurou os órgãos subseqüentes e tragetória, 
alojando-se na parte posterior direita, a altura dos rins, 
notando-se a saliência do projétil 
no mais leve toque do tecido subcutâneo.
O tiro provocou hemorragia interna, 
com o consequente falecimento da vítima. É o nosso laudo. 

(Processo Crime, p. 12)
Vale ressaltar 
que a perícia feita a pedido do encarregado do inquérito policial, 
capitão Thaumaturgo Ferreira Lima, 
foi feita pelos dois farmacêuticos existentes na cidade 
de nomes Antônio Ferreira Azevedo e Vicente Petronilio Filho. 
Teriam eles, tecnicamente falando, 
capacidade para realizar tais exames cadavéricos? 
Na atualidade tais dúvidas seriam motivos de intensos debates 
entre acusação e defesa em um processo-crime.

No inquérito policial comandado pelo Capitão Thaumaturgo, 
várias testemunhas foram ouvidas em depoimento sobre o caso, 
no entanto, poucos se atreveram a falar o que viram ou ouviram. 
O medo tomou conta da cidade daquele dia em diante.
A principal testemunha, Gumercino, um dos envolvidos na briga, 
fez grave acusação sobre dois senhores. 

Segundo ele dois homens agarraram o prefeito Gerardo Azevedo, 
impedindo qualquer possibilidade de defesa 
no instante em que Chico Antônio efetua o último disparo. 
Gumercino declara no inquérito policial.
[...] que nesse forte momento da luta, 
chega ao local os indivíduos 
Francisco Pereira vulgo Chico Sacristão e Geraldo Carmo, 
os quais seguram Gerardo Azevedo e o declarante; 
dando margem a que perversamente 
Francisco Antônio visse Gerardo Azevedo 
completamente impossibilitado de defender-se 
pois estava desarmado e agarrado por Geraldo Carmo, 
aquele detona sua arma criminosa 
contra o indefeso Gerardo Azevedo prostando-o quase sem vida; 
que Francisco Antônio, 
depois de ter ferido mortalmente Gerardo Azevedo, 
ainda procurou atirar contra o declarante 
o que não foi possível 
uma vez que a carga do revolve já tinha sido usado totalmente[...] 

(Processo Crime, p. 15)
Segundo informações obtidas em conversas informais 
com pessoas que presenciaram esse acontecimento, 
Geraldo Carmo, 
a quem Gumercino se refere, era amigo de Chico Antônio.
 A multidão revoltada quer linchar o assassino do prefeito
Após ter atirado em Gerardo Azevedo e em seu cunhado Gumercino, 
Chico Antônio saiu em disparada 
em direção a casa de Walmir Magalhães, 
chefe da UDN, onde procurou se esconder. 
Na ocasião, 
Walmir não estava em casa, pois se encontrava em viagem, 
estando somente sua esposa de nome Raimunda.
No instante em que Chico Antônio fugia 
Gumercino tenta seguir o assassino, 
mas desiste 
e volta para socorrer o cunhado, buscando socorro médico. 
No mesmo momento, 
Raphael afirma ter visto Chico Antônio fugir 
em direção à casa do vereador e candidato a prefeito 
Walmir Magalhães 
e pediu para outro cunhado de Gerardo, de nome Euzébio, o seguir. 
Em depoimento ao delegado do caso 
Euzébio confirma 
ter visto Chico Antônio entrar na casa do Sr. Walmir, 
tendo em seguida avisado ao Sr. Raphael Cláudio.
Sabendo onde Chico Antônio se escondera, 
Raphael foi logo avisar ao delegado especial, cabo Heráclito de Sousa 
que no momento dos tiros se encontrava em sua residência. 
O cabo Sousa, como era conhecido, 
tratou logo de chamar seus subordinados: 
os soldados Malaquias 
e Francisco das Chagas Rocha, conhecido como Santos. 

Os três foram até o local onde estava escondido o criminoso 
e lá chegando trataram de efetuar a prisão do mesmo, 
após a senhora Raimundinha, esposa de Walmir, 
ter permitido a entrada do delegado.
Chico Antônio se encontrava bem ao fundo da casa 
trancado em um quarto, 
quando o delegado especial Cabo Heráclico de Sousa, 
após ter deixado os dois soldados guardando a entrada da casa, 
bateu à porta e pediu que o mesmo se entregasse. 
Atendendo ao pedido do delegado, 
Chico Antônio abriu a porta do quarto dizendo:
“seu cabo, não sei o que foi que fiz”.
O acusado então entregou a arma ao Cabo Sousa 
e recebeu ordem de prisão, 
sendo em seguida levado para a cadeia pelos soldados. 

A prisão foi acompanhada 
por grande números de pessoas (operários) 
que se encontravam em frente à casa, 
juntamente com o Sr. Raphael. 
É recorrente a idéia de que guardavam o local 
para que o assassino não encontrasse possibilidade de fugir.
Ao chegar à cadeia, 
que na verdade 
não passava de um quarto com janelas e portas de madeira, 
o assassino é devidamente guardado. 
A essa altura, o corpo de Gerardo, ainda em vida, 
é levado à Sobral num caminhão da Fábrica Raphael. 

Na ocasião, uma testemunha chegou a afirmar no processo crime, 
ter ouvido vozes vindo do caminhão
“que deviam matar o criminoso”, 
não sabendo precisar de quem era a voz. 
Essa testemunha 
era o engenheiro-chefe das obras, José Jorge Abreu Choairy, 
que também foi indiciado pelo delegado.
Na localidade de Cacimbas, 
distante um pouco mais de uma légua de Mucambo, 
o prefeito veio a falecer por volta das 09h30min da manhã. 

Os condutores do corpo resolveram então voltar para Mucambo. 
Podemos entender como uma atitude impensada, 
pois podiam prever que a chegada do prefeito, sem vida, à cidade, 
certamente causaria grande revolta na multidão, 
o que de fato aconteceu. 
Fica então a pergunta: 
e se o corpo do prefeito não tivesse retornado a Mucambo, 
o linchamento de Chico Antônio teria acontecido? 
E quanto à prisão de Chico Antônio em Mucambo, 
numa cadeia improvisada, teria sido negligência ou proposital? 
Por que não foi logo conduzido à Sobral, para sua maior segurança, 
já que havia um grande número de pessoas nas ruas 
com picaretes, enxadas, pedaços de pau 
e outras ferramentas perigosas?
Como na história não cabem todos os “se”, 
trabalhamos no sentido de entender os fatos acontecidos, 
destacando aqui a revolta da população 
e consequentemente o linchamento.

 Chico Antônio é linchado pela multidão.
O retorno do corpo de Gerardo para Mucambo foi um grande erro. 
A cidade estava tomada pelos “cassacos” 
que tinham um grande apreço pelo prefeito. 
Havia um nítido sentimento de revolta na população 
e uma reação com violência já podia ser prevista. 
A morte do prefeito 
era vista como a interrupção do trabalho de um benfeitor, 
pois havia conseguido “emprego” para milhares de pessoas.
Como já foi dito anteriormente, 
o Ceará passava por um momento de seca. 
Muitas cidades cearenses 
estavam sendo saqueadas pelos “flagelados” 
que não tinham o que comer, 
pois morando todos no sertão, 
eram em sua maioria agricultores pobres, sem terras 
e que dependiam das chuvas para sobreviverem. 

Nesse cenário de calamidade pública, 
medidas estavam sendo tomadas a nível federal-estadual 
para diminuir o drama vivido pelos cearenses. 
“Em 1957 as safras já estavam perdidas 
e logo em abril de 58 o Presidente Kubitschek visitava a região, 
recomendando a formação de um grupo de trabalho 
para ‘solucionar de vez esse angustiante problema que, 
de tempos em tempos, tem de enfrentar a Administração”. 

É bom reforçar, 
nessa mesma linha de raciocínio, mas acrescentando outras, 
que a má distribuição de renda 
que resulta na privação de educação e vida digna 
faz com que as pessoas percorram caminhos ilegais e criminosos. 
No caso dos “cassacos”, como eram chamados os flagelados da seca, 
viam na pessoa do prefeito uma solução para os seus problemas, 
pois milhares de empregos surgiram no seu mandato 
em conseqüência da seca de 1958/59.
Tratava-se de uma frente de emergência 
conseguida com o Governo Federal, 
que na época era Juscelino Kubistchek, e que através do DNOCS 
enviava verbas para os lugares mais críticos do Estado. 
V
ale destacar a habilidade do prefeito Gerardo 
em conseguir serviços para seus munícipes tão carentes de empregos, 
porém, é preciso também esclarecer 
que tais obras faziam parte de um plano idealizado pelo Governo Federal 
que se estendia por toda a dura década de 1950 
visando segurar os flagelados no seu lugar, 
evitando assim que eles se deslocassem 
para os grandes centros urbanos.
Em sua maioria, além dos tradicionais açudes, 
eram obras de construção de estradas e rodagem, 
em que os retirantes se empregavam 
preferencialmente no próprio local de moradia. 
Os chefes admitiam-nos em turmas de 25 a, no máximo, 40 operários,
liderados por um deles. 
Os alistados acampavam 
ali mesmo nas imediações das estradas em construção. 
Os ‘feitores’ fiscalizavam o trabalho das turmas 
e os ‘apontadores’ passavam diariamente nas barracas 
para anotar nas ‘cadernetas’ a presença de cada retirante. 

Apesar da proibição, algumas famílias pobres conseguiam empregar, 
além do pai de família, alguns dos filhos menores, 
aproveitando as ligações pessoais com os políticos e lideranças locais (NEVES, 2000 : 96)
A citação acima 
é o fio condutor para compreender todo o contexto 
que Mucambo estava inserido: 
seca, eleições se aproximando, 
disputa acirrada para governador do Estado 
e muita pobreza da população. 

Além de pouca instrução, 
pois na época Mucambo não tinha nenhuma referência na educação 
sendo que havia apenas uma escola pequena: 
o “grupo velho” ou “grupo do cajueirinho” como era conhecido.
E foi nesse cenário que a multidão, 
liderada não se esclareceu por quem, 
se deslocou em direção a cadeia 
onde estava preso o assassino do prefeito. 
Eram para mais de 2.000 pessoas, amontoadas no beco da cadeia.
– Aí o pessoal souberam e saiu todo mundo, 
as armas que eles tinham trouxeram: 
lavanca, machado, o que dá, foice, o que dava eles trouxeram, 
tudo, tudo que existia de ferro na mão deles. 
Eles se revoltaram tudo, você sabe o que é um enxame de formiga, 
um enxame de formiga se mexer com um formigueiro...
olha não podia existir uma coisa mais feia do que aquela...
olha você não enxergava o chão 
só de homem com lavanca, enxada, cavador e tudo, tudo, tudo. 
Num tinha ninguém que passasse. 

A polícia fugiu. 
Eles mandaram que a polícia saísse que eles esmagarra eles também. (entrevista com Maria de Jesus Gomes de Azevedo)
Nessa leitura, como exercício de memória, 
a colaboradora descreve a fuga dos policiais. 
Todavia, de acordo com as testemunhas arroladas no processo 
a polícia não fugiu, pelo contrário, 
houve reação ao avanço da multidão com tiros para o alto. 
Tais tiros foram revidados vindos da multidão. 
Quem na multidão estaria armado de revólver? 
Os “casacos”? 
Teriam os “cassacos” condições de comprar uma arma?
Apesar do esforço da polícia, 
era praticamente impossível apenas três policiais 
conterem a revolta e o desejo de vingança dos “cassacos”. 
É interessante para uma análise, 
que a entrevistada justifica em seguida a ação dos “cassacos” 
em ter matado o assassino do prefeito:
– Ora um homem que dava de comer a eles, 
ele mexia a panela de comida, 
o prefeito mexia a panela de comida dos trabalhadores 
nas barracas de baixo das moitas, 
a comida vê se tava boa, provava o caldo da panela. 
Este homem era tão bom, tão humilde”.
Assim, a explicação de que Gerardo era bom, 
que “foi um dos melhores prefeitos que Mucambo já teve”, 
como dizem alguns contemporâneos, 
está associada inteiramente ao fato de que durante a sua gestão, 
milhares de pessoas estarem empregadas, 
como se tais “empregos” (eles eram temporários) 
tivessem sido conseguidos pelo então prefeito.
Para os “cassacos” importava vingar a morte do prefeito querido, 
o que de fato aconteceu. 
Mas como foi que com poucos minutos 
após ter ocorrido o assassinato do prefeito, 
de repente a cidade se encheu de “cassacos”, 
ainda mais com o agravante 
de terem com eles as ferramentas de trabalhos?
A explicação para essa questão pode ter duas razões óbvias:
A primeira é o fato de que Mucambo era uma cidade muito pequena, 
com poucas ruas e portanto, 
logo a notícia se espalhou levando muitos curiosos para a rua;
A segunda é que minutos após ter ocorrido o crime, 
algumas pessoas se deslocaram até as obras 
onde os “cassacos” estavam trabalhando, 
levando a notícia do crime 
e ao mesmo tempo ordenando aos feitores que parassem os serviços 
e se dirigissem até o centro da cidade, levando suas ferramentas. 
É o que pode ser observado nos depoimentos abaixo prestados 
pelas testemunhas ao delegado Thaumaturgo Ferreira.
No interrogatório de Manoel Pereira de Sousa, vulgo “Manoel Patrício” 
consta o seguinte:
Interrogado sobre o fato delituoso, que dá margem ao presente inquérito, 
disse que, cerca das 7:30 horas, 
o declarante estando trabalhando na estrada de rodagem, 
foi avisado com os demais elementos que trabalhavam na estrada 
que suspendessem o serviço e viessem para a cidade, 
pois o Senhor Francisco Antônio havia atirado em Gerardo Azevedo, 
prefeito municipal desta cidade e este estava passando muito mal; 
que, juntamente com os demais empregados 
rumaram em direção a cidade 
para certificar-se de perto o que havia ocorrido; 

(Processo Crime, p.27)
O senhor Expedito Lopes Magalhães, 
feitor de turma, natural da cidade de Pacujá, 
prestou o seguinte depoimento:
[...] depois do compromisso de dizer a verdade, disse que: 
no dia 11 do corrente 
o depoente estava trabalhando com a sua turma no lugar denominado Oití, distante aproximada de uma légua do centro desta cidade, 
quando, mais ou menos às 09:30 horas, 
o fiscal da turma de nome PAULO Rodrigues, 
ordenou ao depoente como feitor de sua turma, 
que levantasse ou seja suspendesse o restante do serviço daquele dia; 
que o depoente muito embora tenha recebido ordem do fiscal 
para suspender o serviço, não ficou sabendo o motivo de tal atitude; 
que, depois de suspenso o serviço, o depoente veio a saber 
por intermédio de boato, que o serviço tinha sido suspenso 
em vista de ter sido assassinado no centro da cidade 
o senhor GERARDO AZEVEDO ARAÚJO, 
prefeito municipal desta cidade [...] 
(Processo Crime, p. 29)

A notícia da morte do prefeito 
chegou até o local de trabalho dos “cassacos” a mando de alguém. 
É o que esclarece os depoimentos abaixo:
JOSÉ OSMAR PARENTE, 
com 40 anos de idade, natural da cidade de Cariré [...] disse que: 
no dia 11 do corrente 
se encontrava administrando os serviços da sua turma em que é feitor, 
mais ou menos de 07:30 para 08:00 horas, 
quando passou um indivíduo que o depoente não se recorda quem era, 
e, disse que tinha ordem para encerrar os serviços, 
pois aquele dia era feriado, em virtude de ter sido assassinado 
o senhor Gerardo Azevedo de Araújo, 
prefeito municipal desta cidade [...] 

(Processo Crime, p. 29)
com 31 anos de idade natural desta cidade 
[...] interrogado sobre o fato de que trata este inquérito: 
no dia 11 do corrente o depoente estava com sua turma trabalhando 
nas proximidades do açude, 
quando nota que passa um rapaz correndo 
e dizendo que tinha sido assassinado 
o senhor Gerardo Azevedo prefeito municipal desta cidade; 
que quando os operários ouviram tal notícia, 
foram unânimes em abandonar o serviço, 
uns deixando sua ferramenta na barraca e outros conduzindo as mesmas 
e saírem em dasabalada carreira em direção ao centro da cidade [...] 

(Processo Crime, p. 31)
Conforme observamos nos depoimentos das testemunhas 
a notícia do crime se espalhou rapidamente 
pelo fato de ter alguém ido até os locais de trabalhos, 
ordenando ao feitor que suspendessem os serviços 
e se deslocassem até o centro da cidade. 

Fica a pergunta: 
por que tais pessoas ordenaram 
que os “cassacos” fossem até o centro da cidade? 
Quem teria mandado avisar a trágica notícia nos locais de serviço? 
Por qual razão os “cassacos” teriam que ir até a cidade? 
É esclarecedor tais depoimentos: 
os “cassacos” foram até o centro da cidade motivado por alguém. 
Alguém tinha o interesse que Mucambo fosse tomada pela multidão.

Os “cassacos” lincharam Chico Antônio 
com seus instrumentos de trabalho: 
pás, picaretas, enxadas, pedaços de pau, pedras, 
conforme esclarece o corpo de delito:
procedendo o exame cadavérico (sic) em Francisco Antônio de Sousa, constatamos o seguinte: 
dois ferimentos na fronte e sub-fronte lateral esquerda, 
um ferimento na arte superior do olho direito 
e vários outros no rosto e uma contusão no peito esquerdo e costas, 
e, uma pequena contusão no joelho direito. 

(Processo Crime, p. 20)
O linchamento se deu, segundo os laudos, da seguinte maneira: 
quando os “cassacos” avistaram o corpo do prefeito sem vida 
após ter retornado da tentativa de socorro médico em Sobral, 
logo saíram em direção à cadeia 
que era muito próxima da casa de seu pai, onde deixaram seu corpo. 
A rua foi tomada pela multidão. 
José Amílcar, primo do prefeito, também se encontrava na multidão 
juntamente com o engenheiro Jorge Choairy, chefe dos “cassacos”. 
O que os dois estariam fazendo na cadeia momentos antes da invasão? Estariam também “guardando” o preso 
já que os mesmos deixam claro em outras partes do processo 
que não confiavam nos soldados por se tratar de amigos, 
ou melhor, correligionários?
Em depoimento a polícia, José Amílcar justifica o fato de está presente momentos antes do linchamento:
Perguntado por qual motivo esteve antes da invasão da cadeia 
na porta da delegacia e por que solicitou do cabo Delegado Especial, 
que não precisava armamento para guardar aquele preso 
solicitando ainda que o cabo Sousa Lima fosse guardar o armamento? Respondeu que, apenas com o espírito de ajuda, 
vendo a multidão em completa revolta 
achou que se a polícia pouca como era 
se acaso viesse a tomar alguma providência mais séria 
poderia ter alguma causa de conseqüência mais grave, 
no entanto achou que com aquilo estava ajudando a ação da polícia, 
pois uma vez tinha uns dois mil homens aglomerados 
com espírito de revolta e a polícia naquele momento 
só dispunha de três homens 
melhor seria que estivessem não resta dúvida numa vigilância. 

(Processo Crime, p.21)
E continuando a responder o inquérito policial, 
o mesmo continua a se defender de alguma culpabilidade no caso:
Perguntado ainda se tomou parte ativa 
do levante que resultou o linchamento 
e por que motivo quando Francisco Antônio pulou a janela da cadeia 
ainda o segurou pela cintura? 
respondeu que, estava conversando com o cabo Sousa Lima, 
quando nota que o criminoso ia fugindo 
quando ele declarante procurou ainda segurá-lo afim de evitar a sua fuga, 
não conseguindo, 
foi quando nota que o cabo Sousa que ainda se encontrava armado 
pediu que o mesmo não atirasse 
já que já estavam numa situação dolorosa daquela 
melhor seria evitar outras conseqüências, 
que não tomou parte ativa e nem inativa no linchamento, 
pois nenhuma questão chegou a ter com Francisco Antônio 
e lamentou o ocorrido. 

(Processo Crime, p.21)
Conforme esclarece em seu depoimento à polícia, 
José Amílcar estava realmente presente no momento do linchamento 
e realmente tentou evitar a fuga de Chico Antônio 
segurando-o pela cintura, 
muito embora em sua opinião não se ache culpado pelo fato.
Após o arrombamento da cadeia e se sentindo acuado pela multidão, 

Chico Antônio ainda teve tempo de arregaçar as calças 
conseguindo pular a janela da cadeia por cima da multidão 
que estava disposta a matá-lo, 
saindo correndo em direção à rua Padre Joaquim Severiano 
quando é arremessado uma pedra vindo da multidão 
derrubando-o no chão. 

Nesse momento 
os “cassacos” lançam suas ferramentas sobre Chico Antônio 
linchando-o até a morte. 
Segundo populares, momentos antes da tentativa de fuga, 
Chico Antônio estava rezando um terço 
e alguns dias depois após sua trágica morte, 
teria aparecido a uma senhora de Pacujá 
para vir terminar o terço por ele iniciado momentos antes de morrer. 
Dizem que sua alma é milagrosa! 

Dentre as testemunhas citadas no processo, 
uma delas foi denunciada 
pelo promotor da comarca de Ibiapina, José Militão de Sousa 
tendo sido dirigido ao juiz no dia 20 de janeiro de 1959. 
Essa testemunha é Manuel Pereira de Sousa, vulgo Manuel Patrício.
Manuel Patrício é denunciado 
juntamente com Francisco Camilo da Silva (Chico Biu) 
por terem sido os mesmos,
responsáveis pelas primeiras agressões ao Chico Antônio 
logo que a multidão o tira da cadeia. 

Inclusive testemunhas acusam Manuel Patrício 
de ter arrombado a porta da cadeia 
e de ter visto também Francisco Biu armado de cacete 
e de ter sido o mesmo a atirar a pedra em Chico Antônio. 
É o que relata em depoimento ao capitão encarregado do inquérito, 
os soldados Heráclito de Sousa e Francisco das Chagas Rocha respectivamente:
“[...] que apesar da grande confusão reinante 
conseguiu identificar um elemento de nome Manuel Patrício 
que de picareta em punho arrombou a porta da cadeia 
como também conheceu Francisco Biu 
como integrante da turba enfurecida 
estando este armado de cacete e muito próximo do declarante [...]”.
“[...] que, ao chegarem na cadeia 
observou que grande parte da multidão 
se encontrava nas adjascências da mesma 
como também sentiu que a intenção do povo 
era no sentido de matar o criminoso do prefeito Gerardo Azevedo; 
que juntamente com o cabo Sousa Lima, 
procurou evitar que tal fato se consumasse 
empregando também todo meio ao seu alcance 
para evitar tão bárbaro crime, 
o que não foi possível dada a grande quantidade de gente 
que calcula em um número superior a dois mil homens; 
que, porém viu Manoel Patrício arrombar a porta da cadeia, 
como soube também por ouvir dizer 
que Francisco Biu havia atirado uma pedra em Francisco Antônio 
quando este era retirado (sic!) da cadeia pela multidão[...]” 
(Processo Crime, p.26 – 27)
É relevante destacar que em nenhum momento, 
o capitão Thaumaturgo pergunta 
se os soldados viram José Amílcar na multidão, 
como também se eles conversavam 
no momento do arrombamento da cadeia. 
Uma testemunha só responde o que lhe é perguntado, 
logo se conclui que tais perguntas não lhes foram feitas. Por quê?
Durante todo o processo, 
esses dois soldados foram os únicos a dizer que avistaram na multidão 
os dois acusados de terem sido os primeiros a agredirem o preso.

Segundo informações de pessoas próximas de Chico Antônio, 
se tem notícia de que os soldados eram amigos do enfermeiro, 
logo, seus depoimentos foram desconsiderados pelo juiz.
E tava o rifle do Santos lá no canto no posto, 
o Santos era um soldado amigo dele [risos][...] 
A polícia todinha era amiga do Chico Antônio. Era! 
Que ele tava do lado da situação, era a UDN quem tava no poder. 
Que foi o Walmir foi quem trouxe ele; ele era amigo do soldado e tudo! 
Como era o nome dele [pausa] era cabo Sousa [...] 
(entrevista com Elenita Rodrigues da Silva)
Chico Antônio parecia ser um protegido da polícia, 
talvez esta seja a razão de que segundo populares ele andava armado 
e procurando briga, ameaçando um ou outro adversário político. 
Afinal, foi o Deputado Edval Távora quem evitou sua saída de Mucambo quando o mesmo foi acusado de uns crimes de defloramento 
cometido dentro do posto de saúde.

Pode-se concluir diante desses e outros fatos 
que o enfermeiro Chico Antônio até um certo ponto 
era pessoa enojada por boa parte da população de Mucambo. 
Os motivos certamente, teria sido por um conjunto de fatores 
entre os quais pode-se destacar: 
sua atuação política como adversário do prefeito Gerardo, 
sua vida “preguessa” na qual é citada no processo-crime 
que “Francisco Antônio era conhecido em Mucambo 
como um sujeito perigoso devido a sua vida irregular 
e perturbador da ordem, 
vivendo constantemente armado de revólver” 
e principalmente pelos casos de defloramentos que ele foi acusado 
por populares, 
defloramentos estes ocorrido dentro do próprio posto de saúde.

* Texto copiado da Internet
* Por Solon de Castro
* Foto: Antonio Araújo Souza
* Blog Mucambo Pra Valer